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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Bons exemplos em tempos de crise

Amancio Ortega, fundador da Inditex, o grupo da Zara, da Pull and Bear ou da Massimo Dutti, doou 20 milhões de euros à Cáritas espanhola. Não há memória de um donativo desta dimensão em Portugal.
Mas há actos de generosidade. Já este Verão, Paulo Paiva dos Santos, empresário da indústria farmacêutica que fundou a Generis e a Wynn Pharma, estava de férias com a mulher quando, através da imprensa, percebeu que, pela primeira vez em 38 anos, a fundação O Século não tinha dinheiro para proporcionar férias a crianças carenciadas de todo o país. Doou-lhe cem mil euros, a título pessoal e não através das suas empresas.
"Uma andorinha não faz a Primavera", comenta Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas. "Não temos tradição" em matéria de megadonativos. Parece-lhe que a "generosidade tem vindo a perder-se" por cá, apesar da crise estrangular as famílias, e que a "proliferação de instituições de solidariedade também torna [isso] mais difícil".
Lemos reconhece a existência de empresários solidários no país. Nota que alguns preferem criar uma instituição em nome próprio e canalizar para aí "volumosas verbas", o que lhes dá benefícios fiscais. E entende que outros padecem de "uma visão de solidariedade pouco reflectida". Fazem algo que sabem ser necessário, mas de forma episódica. "Embora generoso, não é muito consistente."
Desde logo, não há em Portugal fortunas com um tamanho semelhante à de Amancio Ortega. O empresário espanhol, de 55 anos, terá 40 mil milhões de euros. Pelas contas do sítio de negócios e mercados financeiros Bloomberg, só o mexicano Carlos Slim e o americano Bill Gates têm mais dinheiro. Transferir 20 milhões de euros pesa-lhe tanto como, referia o diário El Pais, alguém com um património de dez mil euros dar uma nota de cinco.
Assim, de repente, Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa, não consegue encontrar um ímpeto de solidariedade comparável. Os grandes donativos chegam-lhe enquadrados em grandes campanhas. Neste momento, a Cáritas recebe um euro por cada depósito feito no Banco Espírito Santo, o que lhe deve render uns 750 mil euros em três anos. No ano passado, o Lidl realizou uma campanha de arredondamento de facturas que resultou em 25 mil euros em vales de compras para a Cáritas. E a Jerónimo Martins já por duas vezes, uma em 2010 e outra em 2011, lhe doou 60 mil euros em vales de compras. Esse é, de resto, o seu grande parceiro na operação Dez Milhões de Estrelas: as velas que, por um euro, se podem comprar nas paróquias ou nos supermercados Pingo Doce para pôr nas janelas e, com isso, "dizer que se quer um mundo mais justo e mais fraterno".
Numa lógica de responsabilidade social, no ano passado, o grupo da família Soares dos Santos atribuiu 6,8 milhões às comunidades envolventes. O grosso desse valor traduz-se em géneros saídos das lojas e das centrais de distribuição. Segundo o relatório de contas, "apoiou, a nível corporativo, diversas instituições com um montante total de 471 mil euros", mais 27% do que no ano anterior, 293 mil euros dos quais classificáveis como mecenato social e destinados a apoiar, sobretudo, crianças e jovens.
Um estudo recente da consultora Sair da Casca indica que as crianças e jovens inspiram mais solidariedade nas empresas. Seguem-se os idosos. O mais difícil mesmo será captar meios para ajudar pessoas com deficiência. Na lista de instituições apoiadas pelas 45 empresas analisadas, destacavam-se a Fundação Serralves e a Fundação Casa da Música, na área cultural, e a Associação Acreditar, o Banco Alimentar contra a Fome, a Cruz Vermelha Portuguesa, a Cais, a Empresários para a Inclusão Social, a Fundação Gil e o Refúgio Aboim Ascensão, na área social.
Luís Barbosa, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, reconhece várias empresas "que colaboram". Enfatiza o grupo Sonae. Dá o exemplo de uma campanha de apoio a idosos feita nas lojas Modelo e Continente e logo recorda diversas campanhas associadas a catástrofes, como incêndios ou cheias.

Em 2011, a Sonae atingiu "10,1 milhões de euros em contribuições distribuídas a organizações do terceiro sector", excluindo donativos directos dos clientes, esclareceu, poremail, Catarina Oliveira Fernandes, directora de Comunicação. "Apoiámos cerca de 3051 instituições que auxiliam comunidades e famílias portuguesas". Segundo explicou, a Sonae dedicou atenção especial a instituições de solidariedade social. Fê-lo "através da atribuição de alimentos e bens, da colaboração de equipas voluntárias e de apoios financeiros". O Grupo Mota-Engil também desenvolve uma estratégia de responsabilidade social. Rui Pedroto, responsável pela fundação que a executa, divide-a em três: donativos a cerca de 40 entidades, parcerias em projectos, prémio anual de 50 mil euros, que tem beneficiado instituições de solidariedade.
As necessidades da população adensam-se com o alastrar do desemprego e o recuo da protecção social. Luís Barbosa continua a ver uma "dificuldade" em pedir ajuda, associada à vergonha de empobrecer. "Dentro de casa, as pessoas ainda encontram um mínimo de equilíbrio. Quando perdem a casa, tudo fica mais complicado", remata.


{daqui}

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